10 de fevereiro de 2021

O Imaginativo e o Imaginário (do Livro A Imaginação Educada de Northrop Frye)

Oi gente!

No final de 2017 eu fiz uma matéria do mestrado de Literatura na UFPR (Teoria da Ficcão), naquele esquema de aluno-visitante, para ver como era e decidir se encararia um mestrado aos quarenta e três anos, sem pretender lecionar. Por alguns motivos que prefiro não mencionar, mas também por achar que seria muito empenho para pouco conteúdo que realmente me interessava, não me inscrevi no curso (não diminuindo o mestrado, mas como não era minha intenção lecionar, achei muito técnico e pensei ser mais vantajoso partir para os cursos livres e focados nos meus temas preferidos).

Pois bem, como nenhum aprendizado é jogado no lixo, foram alguns meses de muita bagagem literária que angariei e até hoje mantive em minhas anotações pessoais. Então, dias atrás, pensei: "Porque não compartilhar né? Quem sabe animo alguém a fazer o mestrado!"

Então hoje começo a resgatar minhas anotações das aulas e registrar aqui no blog para quem se interessar. A primeira aula foi sobre um dos ensaios de Northrop Frye contidos no livro "A Imaginação Educada". 

Imagem: pxhehe.com


"Mas na imaginação vale tudo o que se possa ser imaginado, e o limite da imaginação é um mundo totalmente humano. Aqui resgatamos, em plena consciência, aquele perdido sentimento original de identificação com o que nos cerca, onde nada é externo à mente humana, onde tudo é idêntico à mente humana.” (Northrop Frye)

E quem foi Herman Northrop Frye? Frye viveu entre 1912 e 1991 e foi um dos mais influentes teóricos da literatura do século XX. "A Imaginação Educada" é uma transcrição de seis palestras concedidas pelo autor, na década de 60, a uma emissora de rádio canadense. O crítico apresenta sua visão sobre o significado e importância da literatura, apresentando inclusive um plano de estudos de literatura objetivando "educar a imaginação". Como assim? (também me perguntei isso na época!)

Imagem: wikipédia


Na verdade Frye reforça o conceito de que a linguagem e a literatura são a base de todas as relações sociais, por isso para ele, a criatividade e a imaginação que podem ser influenciadas pela literatura, se encontram na base da vida social. A força imaginativa ou criadora na mente é o que produziu tudo, o que chamamos de cultura ou civilização. Ou seja, o mundo em que vivemos foi criado em grande parte pela imaginação humana. Então educar a imaginação é também criar um povo liberto, que não se limita aos padrões ou se ilude com clichês. Ele afirma na página 121 que, "o trabalho que a imaginação vai executar no dia a dia é produzir, a partir da sociedade em que temos que viver, uma visão da sociedade em que queremos viver". Profundo né? 

Se pensarmos que a mitologia foi a primeira forma de associação e identificação e que deu origem ao que veio depois, inclusive a literatura, percebemos que com as transformações sociais, culturais e históricas, muitas narrativas mitológicas se tornaram desacreditadas. Porém, os heróis continuam representando arquétipos até hoje inseridos nas obras literárias. 

Com o romantismo, a ordem maior, antes privada pelo senso (principalmente das religiões), agora poderá ser regulada pelo indivíduo. Com isso, a criação passa a ser também do indivíduo, confrontando com a ideia de ordem de força maior.  Notamos uma mudança, por exemplo, desde a publicação de O Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brontë, em 1840, que foi criticada por sair dos padrões literários, onde a autora mostra a natureza violenta (real) apresentada no contexto dela. Vivemos uma era dos discursos que se adequam à compreensão de que hoje nós construímos o nosso mundo e nosso modo de operar o mundo. O conceito de individualidade já estava consolidado em 1962, quando Fyre escreveu seu ensaio, mas foi reforçado a partir de então.

Imagem: pxhehe.com

O autor traz ao leitor vários conceitos que facilitam a educação imaginária, que não apenas conhece as narrativas que moldam o ser humano, mas também aplica esse olhar associativo para pertencer ao mundo, protegendo-se de ideologias e ilusões nas tentativas de grupos da sociedade que tentam manipular as pessoas.

Então, é possível vivermos em um mundo onde a visão é descompromissada com o real?  

Segundo Frye, Dom Quixote sugeria entrar no centro do senso, onde cada visão particular respeitava a visão do próximo, a fim de vivermos em sociedade de maneira ideal. A aposta de Frye é que, se existe um senso estabelecido, você tenha um imaginário para aplicar o contra senso quando o mesmo sair do controle. No final das contas, para ele sem a imaginação não existe humanidade, pois ela é uma forma das pessoas se identificarem e pertencerem ao mundo.

Mas será que vivemos em um mundo democrático onde tudo pode? Quais os termos do senso que nos regem hoje? São perguntas provocativas que nos levam a pensar, por exemplo, em uma questão muito debatida atualmente, sobre literatura como arte ou como produto. Nesse caso, será que a lei de mercado no contexto atual rege o senso?

"A Imaginação Educada" abre nossa mente como escritores e leitores de literatura. Vale a pena mergulhar no mundo de Frye. Ele nos passa o recado de que educar a imaginação é também nos assumir como transformadores da sociedade em que vivemos. 

Boa leitura!

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