15 de outubro de 2020

Divã de Escrita 2020 #8 (O Gato Preto, de Edgar Allan Poe) - Um conto autobiográfico? | Portão Literário

Oi gente!

Vamos para mais uma leitura de contos comentada, seguindo com o projeto "lendo contos, para melhor escrever contos". E nada melhor do que aproveitar o mês de Halloween para ler "O Gato Preto" (1843), um dos contos mais famosos de Edgar Allan Poe, escritor norte-americano reconhecido como um dos precursores das narrativas fantásticas de terror.

Muito se comenta que "O Gato Preto" seja um conto autobiográfico, visto as coincidências com a vida boêmia do protagonista, que no decorrer da história, aos poucos vai mergulhando na insanidade. Poe de certa forma, também teve uma vida rodeada de mistérios. Ficou órfão muito cedo e sempre apresentou um comportamento estranho, refletido em sua obra marcada pelo amor, pessimismo e morbidade.

Falando um pouco do conto, o gato preto era o animal doméstico do protagonista narrador, que antes de iniciar suas confissões macabras, se defende justificando ao leitor que amava os animais. Recurso utilizado pelo autor, na minha opinião, para tentar a simpatia do leitor, antes de contar seus terríveis feitos. Poe também escolheu apropriadamente o tipo de animal, já que sua intenção era contar uma história macabra. Afinal, porque seu animal doméstico não poderia ser um cão ou um gatinho branco né?

Acontece que devido ao consumo desregrado do álcool, o protagonista muda seus modos no tratamento do bichano e após essa mudança, Pluto (o gato) se torna um dos personagens mais expressivos, senão outro protagonista da história. Durante o conto, o narrador confessa atitudes horrendas e quando inicia essas confissões, o clima da narrativa pesa de vez. O gato é maltratado ao extremo (pessoas sensíveis aos animais não devem ler) e morre. Porém, outro gato com as mesmas características volta para, desconfia-se, vingar-se do seu carrasco. É outro gato, mas possui marcas das maldades impostas ao Pluto e (para mais uma vez tentar a simpatia do leitor) o narrador o adota e trata com carinho, aquele que agora passará a persegui-lo. Incomodado, o narrador tenta repetir a crueldade de antes, mas é impedido por sua mulher. Dominado pelo ódio devido a interferência da mulher, o narrador a mata e a empareda na adega da casa. O final continua macabro e vou deixar para o leitor descobrir se afinal, o gato foi vingado ou não.

Percebem-se muitos símbolos no conto de Poe, a começar com o gato preto já comentado, incêndio (no dia em que mata o gato a casa pega fogo), subterrâneo (o lugar que escolha para emparedar a mulher), entre outros. Toda essa mistura inserida pelo autor, cria um clima mórbido e obscuro. Embora o narrador confesse o uso do álcool como responsável pelos crimes, a história também oscila com o sobrenatural e fantástico. Em certos momentos do conto, o autor nos deixa dúvidas de se o narrador está sendo manipulado por forças sobrenaturais ou suas ações eram simplesmente efeito dos seus vícios.

"O Gato Preto" passa ao leitor toda uma reflexão sobre a culpa, já que é narrado por um assassino, cuja mente doentia tenta usar argumentos para diminuir sua responsabilidade sobre os acontecimentos. Poe consegue escrever algo através de símbolos que levam o leitor a, intuitivamente, tentar entender os conflitos internos do personagem. É interessante observar como no início o narrador deixa claro que "não espera que os leitores lhe deem crédito", inserindo uma dúvida de que ele mesmo sente-se envergonhado, mas ao mesmo tempo, assombrado com os fatos. 

Na vida real, os vícios de Poe causaram-lhe muitos transtornos, como perder uma vaga na Universidade de Virgínia e causar sua demissão de algumas editoras. Mas esse seu estilo inconstante e boêmio, por outro lado, foi sua principal fonte de inspiração para escrever. E em "O Gato Preto" é mais nítida a impressão da sua intimidade com narrativas macabras. 

Boa leitura!

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