20 de março de 2021

O Livro do Desassossego (Fernando Pessoa)

Oi gente!

Vamos hoje comentar sobre mais uma das aulas da matéria do mestrado que fiz em 2017. Uma das mais complexas, daquelas que fazem surgir assunto para um mestrado inteiro. Falamos sobre o "Livro do Desassossego", uma das mais belas e importantes obras do poeta português Fernando Pessoa, que aparece no livro sob o heterônimo de Bernardo Soares, um ajudante de guarda-livros que mora em Lisboa.


"Livro do Desassossego" começou a ser escrito em 1913 e foi publicado em 1929. Inicialmente foi escrito com o heterônimo de Vicente Guedes para depois Pessoa decidir por Bernardo Soares. Segundo ele, é um fragmento dele mesmo. A obra foi escrita em cartas sem nenhum tipo de norma ou organização. Uma das complicações do livro é que é impossível desmembrar ou estudar um parágrafo isolado, pois Bernardo Soares escreve em um nível de autoanálise que resulta em "estou em um estado triste", já abaixo da minha consciência.

A obra é permeada por temas como metafísica e história, mas também retrata a condição humana, as angústias do ser e o tédio como uma sensação de inutilidade. Em meio à prosa poética, se destacam novos rumos de pensamento e reflexões, trazendo ao leitor uma identificação com as dores e confissões expostas. Uma frase do prólogo diz que: "A palavra desassossego refere-se não tanto a uma perturbação existencial no homem como à inquietação e incerteza inerentes em tudo e agora destiladas no narrador retórico. Mas a força dum outro desassossego - mais íntimo e profundo - impõe-se pouco a pouco, e o livro assume dimensões inesperadas". Diz-se que a obra contém uma espécie de biografia do autor, contendo todo o essencial da sua diversidade heteronímica. Bernardo Soares mistura objetividade e subjetividade, quando declara que "o universo não é meu: sou eu".

Fernando Pessoa, em toda a sua obra, refugiou-se em personalidades inventadas. Há muitos estudos envolvendo esse tema e muitas explicações já registradas. Assim como todos nós, o autor muda durante a vida, sua realidade não é imutável, e suas obras acompanham esses ciclos através de seus heterônimos. Seria como se o autor se metamorfoseasse em vários livros e diferentes autores. A todo momento do livro em que novas sensações e reflexões afloram, os pensamentos tomam um novo rumo. Dizem que "O Livro do Desassossego" é um livro interminável, uma leitura que deve ser feita sem pressa e sem ordem, para uma melhor experiência e percepção da inquietação que o autor pretendeu passar ao leitor.

Em "Pensamento e Imaginação", por exemplo, de Alberto Caiero, o próprio Pessoa conta sobre sua "pequena humanidade imaginária", mas em nenhum momento menciona o termo "imaginação". Caiero é considerado o mestre dos heterônimos de Pessoa, pois é ele quem revela a "realidade", que de certa forma é sentida. Álvaro de Campos diz que o mestre Caiero foi o poeta mais sincero do mundo. A forma dele escrever é uma forma livre, não segue modelos.

Já "Poemas Inconjuntos" foi escrito em forma de diário durante a evolução da doença que o matou. Alberto Caiero morreu em 1915, deixando o diário para Ricardo Reis publicar postumamente. Questiona-se o motivo do pensamento ser um problema para Caiero e a resposta está em que cada pensamento gera uma realidade e as pessoas não aceitam a realidade do outro. Caiero abomina crenças e esperanças. Nesse momento, é interessante pensar na relação paradoxal entre a personagem Madame Bovary de Flaubert e as afirmações de Caiero sobre sentir em primeiro lugar sem racionalizar. Pois ao racionalizar você perde a capacidade de sentir o mundo, como o fez Bovary.

Ainda que analisando outras obras de Pessoa, percebemos que a prosa poética do "Livro do Desassossego" demonstra, para além da invenção dos nomes e biografias, que essa diversidade é um movimento próprio da escrita de Pessoa, que permeia toda a sua obra. 

"Porque eu não sou nada, eu posso imaginar-me a ser qualquer coisa".

Boa leitura!

0 comentários: